Dia de Festa Grande no Terreiro de Maria, a festa de todos os santos; e lá estavam no salão os três tambores, vestidos com seus belíssimos Òjá (laços); não se importam se o tecido é de algodão, chita, renda ou de um rico tecido, o que importa mesmo é estar bonito e vistoso. Estão à espera de seus exímios tocadores para a festa começar. Três irmãos que são apenas um, um que não pode viver sem o outro. São tambores ligeiramente cônicos, com uma das bocas cobertas de couro animal, presos por aros de ferros. São popularmente conhecidos por atabaques; nome este de origem árabe: at-tabaq que significa - prato.
O tambor grande chama-se Hum e possuí o registro fônico grave; o médio recebe o nome deHum-pi e seu registro fônico é médio e o pequeno denomina-se de Lê e seu registro fônico é agudo. Dependendo do ritmo são tocados com as mãos, com duas baquetas (aqui denominadas de aquidavi – originárias de vários arbustos), ou por vezes com uma mão e uma baqueta, mas esta última técnica de exclusividade do Hum. O Hum, o maior entre os irmãos é logicamente é o Tambor Mestre, aqui nesta família o tamanho faz a diferença. São descendentes da etnia Ewe-Fon (Hum – Hum-pi - Le) conhecida no Brasil como a nação Jeje e se orgulham de estarem presentes em todos os terreiros, independente da nação. Ao chegarem pela primeira vez ao Terreiro, devem ser consagrados e sacramentados e encourados com pele de animais somente sacrificados a Divindades, preferencialmente de bode ou de boi. Nos Terreiros tradicionais, o Hum está consagrado ao Òrìsà Ògún, O Hum-pi ao Òrìsà patrono da nação e o Le ao Òrìsà patrono da casa. Nestas podemos facilmente notar que não utiliza estrados e sim uma bancada feita em alvenaria, que ali dentro guardam as representações e o àse dos Òrìsà dos tambores.
Ficam as maiores partes do tempo em pé, deitam-se apenas no momento de sua consagração, como mencionei, ou quando de alguma forma requerem oferendas e sacrifícios ou mesmo quando estão de luto. Fazem deste Terreiro sua eterna morada e não gostam de atravessar a porta da rua, preferem a segurança e o aconchego do barracão. Para se ter uma noção existem Terreiros que possuem atabaques confeccionados em tronco de árvores que foram extintas há décadas e quando de sua necessidade em restaurá-lo eles negam-se irem ao restaurador ao contrário o restaurador é que vem até eles
Se analisarmos profundamente, veremos que nos tambores Hum, Hum-pi e Le estão presentes os três reinos da natureza: o reino vegetal, na madeira em que foi confeccionado seu corpo; o reino animal, na pele que cobre uma de suas extremidades e o reino mineral nos aros de ferro que sustentam o couro.
Eles falam uma língua que nem todos entendem ou compreendem, mas uma coisa é certa, chamam a atenção, seja do profano ou do religioso. São seres sagrados, dotados de força vital e que somente os “músicos habilitados” podem tocá-los. O som por eles emitidos e as palavras contidas nos cânticos, carregam àse e se transmitem numa relação interpessoal e dinâmica, num processo de comunicação direta, pleno de ritmo vital, onde o som e a palavra, compassada e rítmica, é básica e fundamental. São elementos mobilizadores, que conduzem a ação, que propiciam àse, ambos se convertem em um tipo de linguagem que tem o poder de mobilizar o mundo sobrenatural e todas as Divindades que nele habitam. O som é considerado “o filho sagrado do tambor e do tocador”. Existe outro instrumento de percussão que acompanha esta magnífica orquestra - o agogo, mas nos limitaremos neste ensaio, se assim poderíamos chamar aos sagrados tambores e seus tocadores.
Importante mencionar que estudos arqueólogos mostram que a origem dos tambores é milenar. Os tambores começaram a aparecer pelas escavações arqueológicas do período neolítico. Um tambor encontrado na escavação na Moravia foi datado de 6.000 anos a.C. Tambores têm sido encontrados na antiga Suméria com a idade de 3.000 a.C. Tambores com peles esticadas foram descobertos dentre os artefatos egípcios, a 4.000 a.C. Os primeiros tambores consistiam em um pedaço de tronco de árvore oco. Estes troncos eram cobertos nas bordas com peles de alguns répteis, e eram percutidos com as mãos, começou-se a usar peles mais resistentes e apareceram as primeiras baquetas. O tambor com duas peles veio mais tarde, assim como a variedade de tamanho.
Os tambores sempre foram adorados como seres sagrados, tiveram seus dias de glórias, mas no Novo Mundo foram alvos de perseguições policiais, eram detidos, isto quando não destruídos e queimados; estes atos de racismo justificam um dos motivos da perda do uso dos tambores de origem Yorùbá, sobretudo o Bàtá o primogênito entre os tambores Nagôs. Em 1835 foi decretada a proibição da entrada de qualquer tipo de tambor de origem africana em nosso país e somente em 1976 eles saíram da glandestinidade.
Esperamos a chegada dos tocadores...
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